sábado, abril 14, 2012


Overdose de mimo

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No esforço de não repetir com os filhos a educação autoritária e cerceadora das gerações passadas, muitos pais hoje vivem sufocados em suas próprias casas, dominadas por pequenos ditadores que mal saíram das fraldas. Um pouco de mimo todo mundo gosta, mas em excesso e sem controle pode produzir crianças de difícil convivência, centradas no próprio umbigo e prontas para fazer birras que beiram o insuportável, caso não tenham suas vontades e caprichos atendidos —e na hora. As consequências podem ser piores, pois esta criança irá crescer e se tornar um adulto com baixa tolerância à frustração, em um mundo que não lhe dará a aceitação de seu ambiente familiar.

A impressão é que se passou de um extremo ao outro: se antes os filhos obedeciam aos pais, hoje muitos são os pais que obedecem a seus filhos; se antes respeitava-se (por bem ou por mal) os pais, hoje muitos pais aceitam – às vezes sem opção – que os filhos lhes faltem com o respeito. Parece não haver limites de ambos os lados, deixando todos à deriva.

Autor do best-seller “Quem ama, educa”, o psiquiatra Içami Tiba acredita que a maioria das crianças hoje é tirana, porque os pais não sabem impor limites, deixando os filhos fazerem tudo o que têm vontade. Esse comportamento seria resultado do sentimento de culpa gerado por uma série de coisas, principalmente por não terem tempo para a relação com os filhos. Para o psiquiatra, os pais precisam se educar para serem educadores e isso implica não ceder às chantagens emocionais das crianças, transformando o “não” em “sim”, pois isso faz com que o filho aprenda a não obedecer.


Pais também têm limites

A psicóloga Sandra Regina Pessoa Meneses, terapeuta de casais e família, sugere que os pais aprendam a enxergar seus próprios limites, como seres humanos que são, para poderem se livrar de qualquer sentimento de culpa que atrapalhe na criação dos filhos. “A tarefa de ter um filho exige muitas ações, é preciso dar carinho e atenção, impor regras e limites. Hoje, as pessoas seguem modelos idealizados, que têm a ver com a nossa postura narcisista: é importante ser eficiente, profissional bem sucedido, estar sempre arrumado, ter filhos bem criados. Há uma preocupação exacerbada de não decepcionar o mundo e a si mesmo”.

Segundo ela, isso dificulta aceitar os próprios limites, vindo daí a sensação de culpa ou abandono. “Os pais devem saber que, por mais que façam, nunca vão conseguir dar o suficiente, pois têm seus próprios limites. Não vão conseguir com que o filho viva feliz 24 horas por dia, não vão evitar que se frustre”.
Sandra Meneses lembra que a culpa alimenta a confusão na hierarquia familiar. 

“São pais enfraquecidos versus filhos poderosos. E muitas vezes, mesmo em famílias pacíficas, de pais amantíssimos, sacrificados e abnegados, também mora um grande perigo. Na tentativa de superproteger, os pais acabam desprotegendo os filhos para a vida, pois a criança não tem um modelo a seguir, uma interdição de alguns comportamentos. Com este perfil, pode se tornar um adulto egoísta, que não respeita as leis, manipulador e nada solidário”, diz a profissional, que está formando grupos de pais para debater essas questões. 

Exemplo e diálogo

Especialista em Programação Neuro linguística (PNL),o médico e psicólogo Roberto Debski diz que pais e filhos devem aprender a viver na realidade, sem buscar compensar a falta de tempo com permissividade. “O modelo de mundo hoje é assim, e é preciso ver com a naturalidade que a própria realidade coloca. A PNL trabalha muito o estado atual e o estado desejável. Os pais devem refletir sobre que filho querem ter no mundo, um adulto equilibrado fisica e mentalmente, uma pessoa compassiva, altruísta, ou alguém que vai viver em conflito e passar por cima de tudo e todos?”

Roberto lembra que a criança normalmente quer impor suas vontades. Cabe aos pais falar “sim”, quando é possível, e “não” quando é importante. “Muitos jovens envolvidos em brigas de gangues, drogas, acidentes, geralmente foram criados com baixa tolerância à frustração”. Exemplo e diálogo são as duas condições essenciais para uma criança. “Todos os extremos são prejudiciais. É preciso ter autoridade, não autoritarismo, como antes. A autoridade se conquista através do exemplo, é o modelo que a criança vai seguir. E dialogando é que se educa para o mundo”.

O profissional afirma que sempre é tempo de trabalhar novos padrões de comportamento, mas quanto antes começar, melhor o resultado. “Quanto mais cristalizar seus comportamentos, sua maneira de ser será mais difícil, mas não impossível. A pessoa só vai mudar no momento que perceber emocionalmente o quanto seu comportamento é prejudicial, passando a assumir a responsabilidade por suas escolhas e não mais o papel de vítima”.

Roberto não concorda com a brincadeira que pais educam e avós estragam. “Os avós têm um papel mais lúdico, mas também com caráter de educar, ensinar”. Outro conselho: os pais não podem discordar um do outro na frente da criança. “Têm que ter um acordo prévio, senão a criança sente-se confusa, pode até querer tirar proveito da situação”. 


Prejuízo no desempenho escolar

É na escola que a criança excessivamente mimada tem seu primeiro impacto com o mundo real. Se em casa a família cede aos seus caprichos, na escola a criança vai se relacionar com outras da mesma idade e sem nenhum grau de tolerância para suas manhas. O excesso de mimo se manifesta na resistência em ceder a vez para os colegas, em achar que pode tudo, não respeitar a vez de falar, e isso faz com que entre em confusões e seja isolada do grupo.


Por suas observações, ela percebe que muitos pais têm dificuldades dizer “não” na hora que precisa ser dito. O problema é mais visível na escola pública. “Na particular o grau de exigência dos pais é maior; é difícil pagar, as despesas são muitas, os salários caíram, por isso os filhos são mais cobrados a estudar, a tirar notas melhores”.

Há pais também que acham que a responsabilidade de educar e formar seus filhos para a vida é da escola. “A escola educa, trabalha valores, mas a educação primeiro se dá em casa; se não tiver respaldo em casa fica muito difícil para funcionar. Não é só explicar, é manter o que fala. Muitos pais falam e não cumprem, o que lhes tira a autoridade”. 

Mirian Ribeiro

http://www.jornaldaorla.com.br/materia-integra.asp?noticia

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